sexta-feira, 10 de julho de 2015

Amor de mãe

Nós não somos obrigadas a amar os nossos filhos. Não nascemos para amá-los. São eles que nos amam desde sempre, incondicionalmente, e não o contrário. Nossas crias são feitas de nós, da mesma matéria, do mesmo material. Conhecem-nos a fundo, por dentro, cada pedaço, cada batida de coração. O som favorito deles até nascerem é um que não conhecemos: aquele que está por baixo da pele. Quando vêm cá para fora, para esse mundo desordenado, desordenador, é a nossa voz a melhor melodia, por mais fora de tom que seja, que esteja. 

Quando eu estava grávida, nunca amei o bebê que tinha na barriga. Amei a gravidez, a barriga, a preparação, a ideia, os movimentos e não me senti culpada por isso. Então a Malu nasceu. Não foi amor à primeira vista, como dizem. Lembro-me de pegá-la, recebê-la no meu peito e não saber o que era suposto dizer. "Oi, filha! Demorou, hein?" foi o que saiu. Não em tom de cobrança pelas 12 horas de trabalho de parto, mas em jeito de "não sei bem o que te dizer agora que acabamos de nos conhecer". Nos dois dias de internamento, estive quase sempre com ela ao colo para lá e para cá. Velava o sono. Tinha uns pés tão pequenos...

Fomos para casa e ainda não era amor. Eu sabia que tinha de protegê-la, não porque tinham me dito, mas porque sabia. Era quase selvagem. Pegavam ao colo e eu estava ali do lado, à espreita, pronta para responder se ela ao menos resmungasse. Se tinha de ir ao banheiro, colocava-a no carrinho e deixava-o mesmo bem à porta. Despachava-me apressada ainda que ela não tivesse reclamado o "abandono". A verdade é que continuava grávida sem estar. Tanta simbiose que, sim, continuávamos a ser um corpo só. Mas ainda não era amor.

Eu não lembro o dia, mas tinha a Malu pouco mais de um mês. Tinha pouco mais de um mês e riu para mim. E eu chorei, chorei, chorei. Ri e chorei mais um pouco. Nesse dia eu soube que era amor, soube reconhecê-lo. Talvez porque ela tenha me dado esse feedback, não sei, mas havia mais em mim que selvageria, mais do que vontade de abocanhá-la pelo pescoço e carregá-la para um lugar seguro, como fazem os felinos aos filhotes. 

Acredito que amor de mãe não nasce com o filho, cresce com ele e é atemporal. A data é indiferente. Esse tipo de relação é também construída. Temos de nos dar espaço e tranquilidade para construí-la. Eles conhecem-nos tão bem e, com o tempo, se nos permitirmos esse tempo, passamos também a conhecê-los. Os meios é que justificam os fins, apesar de os fins não aplicarem-se neste caso. Os fins são sempre começos, são sempre caminho.

Nós não somos obrigadas a amar os nossos filhos. Não nascemos para amá-los. Mas permitimo-nos amar e damos, além de carga genética, o que nem sabemos ter.